domingo, julho 02, 2006

Afinal o amor existe...

Era um anoitecer como tantos outros, em Lisboa... tinha parado de chover e o frio gelava as mãos e o coração.... estava um fim de tarde de inverno, no ar sentiasse o cheiro das calçadas molhadas... há horas que vagueava pelas ruas e não conseguia encontrar o teu olhar no meu...
Sentia-me perdida, e ás seis da tarde, hora em que a cidade se agita, os carros deambulam para a frente e para trás e as pessoas se desencontram... eu sentia-me só.. no meio de tudo, em hora de ponta...
O telefonema que me fizeste a meio da manhã, tinha me alterado completamente... que já não dava mais, que o Amor se tinha esgotado...
Como eu sentia vontade de deitar tudo fora e de te odiar até o resto dos teus dias... tentei... não consegui!! Em vez disso, comecei a vaguear pelas ruas da cidade, triste como a noite que chegava, e as imagens e as palavras circulavam à velocidade da luz na minha cabeça... tinhamos sido tão felizes... o nosso Amor era tão lindo... que será que tinha acontecido?
Dava tudo para saber, mas finalizaste o telefonema com um " não me procures nem ligues mais"...
As lágrimas corriam na minha cara e pensava como era a mais infeliz das mulheres... como me apetecia desaparecer para um sítio onde não houvesse nada nem ninguém... que a vida estava a ser injusta comigo... eu não merecia!
Sentia uma dor tão forte no coração, que mais parecia que não o tinha no peito... como pode alguém sofrer assim... avistei um banco de jardim, sentei-me... e as lágrimas rolavam...
Um cachorro lindo, sentou-se a meus pés e lambeu-me a mão.... o seu olhar pedia mimo e a sua cauda que abanava parecia querer reconfortar-me... estendi a mão e afaguei-lhe o focinho... rejubilou de alegria... senti-me um pouquinho melhor... tinha acabado de fazer um ser feliz naquele instante..
A meu lado, sentou-se uma sombra negra na sua essência e fraca de movimentos... um senhor de talvez uns sessenta anos, pele morena estragada pelo sol... mãos velhas e trémulas... pareciam ásperas, trazia na cabeça um gorro de lã e as roupas rotas não suportavam o frio que se fazia sentir... numa mão segurava uns quantos sacos, na outra trazia um pedaço de pão velho e rijo...
- Olá!! - exclamou ele...
Respondi com a voz embargada e a cabeça baixa... olhar no chão.... senti receio confesso...
- Olá...
- Então o que faz aqui sozinha a estas horas e com o tempo horrível que está?
- Precisava arejar, por ideias em ordem ... - exclamei!!
Aquele olhar terno e doce, inspirou-me confiança e ternura... avancei...
- E o senhor está todo molhado!! O seu cachorrinho também...
- Estamos habituados! - respondeu...
- Eu e o Companheiro já temos muitos anos disto... os nossos corpos já nem notam...
Proferiu tais palavras com tamanha mágoa e tristeza, que me deixou ainda mais triste...
- Eu tinha tudo menina! - continuou.... Tinha uma boa casa, um belo carro, uma esposa linda, filhos maravilhosos, dinheiro, as melhores roupas, um bom emprego... viajava, corriamos o Mundo... um dia sem pensar fui tentado... perdi tudo o que tinha construído num jogo... perdi tudo para outro homem!
- Nem a minha esposa, nem os meus filhos ficaram... foi-se tudo! Tudo menos o Companheiro, que esse não me larga para onde quer que eu vá... é a minha grande prova de amor o meu Companheiro!!
Á medida que aquele senhor falava, eu sentia-me pequenina, quase minúscula... tive real sensação de que o que me tinha acontecido, não tinha sido nada comparado com o que acontecera aquele senhor... coitado - pensei!
Contou-me como eram os almoços de Domingo, e quando iam todos juntos á praia, coisas banais que fazem um coração feliz... contou-me de como tinha saudades de tudo que um dia foi dele... e de como esteve para desistir da vida e o Companheiro evitou!!
Inevitavelmente, as lagrimas rolavam na minha face, desta feita por estar impressionada pela forma como aquele velhinho tão doce e terno falava daquilo que tinha sido uma vida... meu Deus... agora sim! como poderá alguém sofrer tanto assim?
- A menina está triste!! - comentou...
- Problemas da vida, coisas secas sem importância... logo passam... -respondi sorrindo e enxugando as lágrimas...
- Bem tenho que ir andando de regresso a casa, ainda é longe e demora a chegar!- exclamei...
Ele sorriu, aquela expressão irónica naquele rosto fez-lhe proferir as seguintes palavras...
- Eu e o Companheiro também temos que ir andando... ainda vamos á procura de um buraquito que não esteja muito molhado para passarmos a noite...
Entre sorrisos e lágrimas.. pensei por breves instantes que o Amor não existia, que nunca tinha existido... que era fruto das imaginaçoes mais profundas de pessoas apaixonadas como eu...
Sorriu e acenou com a mão... Eu fui-me afastando... Já quase que o deixava de ver, quando me deu súbita vontade de voltar atrás... voltei correndo, cheguei ao pé dele e entreguei-lhe todo o dinheiro que trazia comigo...
- Não é muito, mas dá para vos matar a fome durante alguns dias! E eu não preciso, afinal eu sou um ser com sorte... tenho tudo o que preciso minimamente para viver, por favor aceite... vá tomar algo quente para aquecer e mate a fome ao Companheiro...
Esticou a mão trémula, e arrecadou num saco aquela meia duzia de notas e mais uns trocos...
- Sabes minha menina, o que tu acabaste de fazer é a prova de que o Amor existe!! E alguém te vai recompensar por isto...
Afastou-se mancando, com os sacos numa mão e o Companheiro ao lado.... sorrindo.
Senti-me a melhor pessoa do Mundo e regressei a casa de alma leve e coração renovado, pensando que afinal existem coisas pelas quais vale a pena viver... existem coisas que só nos acontecem uma vez na vida e quando acontecem temos que as agarrar... sempre que possa, vou procurar o Vagabundo e o Companheiro, e de uma forma ou outra ajudá-los... isso ajuda-me a crescer como pessoa....
E se querem saber, ao fim ao cabo o que eu tinha com ele não era Amor... porque o Amor eu descubri-o hoje naquele banco de jardim!!! Fazer bem sem olhar a raça nem o modo de vida... fazer bem por fazer.... sem olhar a quem!!!
E não é que afinal o Amor existe mesmo!!??
Ana Cardoso

4 comentários:

JCarvalho disse...

O amor toma as mais variadas formas... Mas no fundo, é universal, e por muito que penses que não... que tentes até fugir... Acabará num momento por te encontrar...
Kiss,
Chainer

Anónimo disse...

O AMOR nao é facil mas tambem nao é dificil basta amar e compreender
perdoar e ser amigo
sonia calado

Anónimo disse...

Ola! sou a quasetrintona..vim cuscar o teu blog e encontrei a linda historia de ke o Amor ainda existe..e tens toda a razao! Existe para akeles que abrem o coração e ajudam o proximo. Mto bonito! adorei! beijinhos ***

Anónimo disse...

Dizem que a vida nao é nenhum concerto de desejos.


Mas enquanto houver desconhecidos que nos fazem chorar e sentir...

...é sinal que a "musica" está dentro de nós. Talvez nao seja o tal concerto de desejos...

...mas sempre dá pra desejar um concerto com musica a nosso gosto. É só deixar tocar...



Nao tenho o mérito do tal "desconhecido"... por isso assino com:

"um ninguém"

Um pouco de mim ....